Matéria escrita por André Cananéa e publicada originalmente no jornal A União
O carnaval de Deodato Taumaturgo Borges Filho fez mais barulho que trio elétrico. No dia 4 de março, em plena Segunda-feira de Carnaval, nosso artista, que nunca quis sair de João Pessoa, embora seja conhecido em qualquer parte do mundo onde haja uma banca de revistas, anunciou que estava deixando um dos empregos mais sólido, e de visibilidade, que um artista que desenha super-heróis poderia querer: o de ilustrador da norte-americana Marvel.
Aos 56 anos, 24 deles dedicados à Casa das Ideias, como é chamado o lar de Homem-Aranha, Hulk, Thor, Capitão América, Homem de Ferro e tantos outros, Mike Deodato, como passou a se chamar no mercado internacional, surpreendeu os fãs com o anúncio, que logo se espalhou pelo mundo (eu mesmo encontrei notícias em alemão, francês e russo, além de inglês).
A Marvel é uma indústria que fatura bilhões e bilhões de dólares com produtos licenciados de seus famosos heróis. De gibis a filmes; de camisetas a mochilas; de jogo de cama a canecas. Em 2009, essa máquina de dinheiro foi comprada pela The Walt Disney Company pela bagatela de 4 bilhões de dólares.
E nesse contexto, Mike é uma engrenagem muito importante. Basta dizer uma única coisa sobre este paraibano nascido em Campina Grande e que nos anos 1980 chegou a desenhar aqui para A União e para o Correio das Artes: super-heróis que ganharam vida no cinema, como o Hulk de ‘O Incrível Hulk’ (2008), foram baseado no traço do nosso amigo. O jeito tímido e simples do paraibano talvez não dê, para nós aqui do Estado, a dimensão da importância de Deodato Filho. Mas vai numa convenção de cultura pop em Nova York, ou em Milão para você ver… Eu acredito, piamente, que hoje ele é maior que a Casa das Ideias.
Ao deixar o confortável ninho da Marvel e o salário certo no fim do mês para alçar um voo solo sem qualquer rede de proteção embaixo, Deodato o faz com segurança mirando um horizonte sem fim. Troca o ritmo industrial – recentemente vi uma entrevista na qual ele revela que desenhava seis páginas por semana; é puxado – por um mais artístico, sem qualquer amarra criativa, sem cartilha, com uma possibilidade infinita para um desenhista que não precisa mais provar o valor que tem. É um passo em busca da reinvenção, do crescimento e de novas metas, que certamente ele irá alcançar com folga.
Artista com muito a oferecer, ele rompe com uma gigante do entretenimento tendo a sua frente um mercado que, nos dias atuais, permite que uma carreira solo possa ir longe. Aconteceu algo parecido com a música, após a derrocada das grandes gravadoras e a remodelagem do negócio, e envolve outra conterrânea nossa: depois de ‘Ave de Prata’, os dois melhores discos de Elba Ramalho são ‘Qual O Assunto Que Mais Lhe Interessa?’ (2007) e ‘O Ouro do Pó da Estrada’ (2018), o primeiro lançado pelo próprio selo da cantora e o segundo, por uma pequena gravadora. Em ambos, ela teve o completo domínio de seu trabalho.
É isso que vai acontecer com Deodato Filho agora. E a primeira carta já está na mesa: ‘Berserker Unbound’, revista em quadrinhos com desenhos do paraibano, roteiro do canadense Jeff Lemire e cores de Frank Martin (com quem Mike já havia trabalhado na Marvel). O primeiro volume, que está pronto desde setembro do ano passado, sai em agosto nos Estados Unidos (e em 2020, no Brasil), após o término do contrato do paraibano com a Marvel, que se encerra em 14 de junho.
A escolha de Deodato para estrear esse voo solo não poderia ser mais feliz. Jeff Lemire, com quem Mike fez uma HQ do vilão Thanos em 2017, é um dos melhores autores de histórias em quadrinhos do momento. É um artista independente (freelancer), que tem construído uma carreira extraordinária com total liberdade criativa. Já li alguns títulos dele que saíram no Brasil, como ‘O Soldador Subaquático’, ‘Black Hammer’ e ‘Giddeon Falls’ (eles podem ser encontrados nas melhores livrarias).
‘Giddeon Falls’ – que assim como ‘O Condado Essex’, outra ótima HQ de Lemire, dará origem uma série de TV – conta a história de duas pessoas, um padre e jovem recluso, que veem um sinistro celeiro vermelho, tem um arte completamente inovadora, fora dos padrões da Marvel, da DC ou de qualquer outra editora do establishment. É sinal que o canadense gosta de ousadia e, com ele, Deodato parece ter encontrado a estrada de tijolos amarelos em busca de uma nova consagração. Excelsior, Mike!
FONTE: A União
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